ANULAÇÃO DE VOTOS DE CANDIDATURAS CASSADAS

 

 Por Maurício Costa Romão

“… o DEM ingressou, ontem, com uma ação no STF pedindo que os partidos fiquem com os votos obtidos por candidatos que, depois das eleições, tiveram seus registros cassados pela Justiça Eleitoral. Atualmente, esses votos são considerados nulos”. Texto introdutório de matéria publicada pela Folha de Pernambuco, em 26/01/2011, sob o título DEM QUER VOTOS DOS CASSADOS PARA AS SIGLAS”.

O que, em princípio, parece ser uma medida normal e justa – anulação dos votos pós-eleição de um candidato cujo registro fora cassado pela Justiça Eleitoral – traduz-se, na verdade, em mais uma distorção do confuso sistema eleitoral brasileiro.

A impropriedade da medida deriva do fato de que a anulação dos votos de candidato que disputou uma eleição proporcional não afeta apenas ele próprio e a agremiação à qual é filiado, mas impacta também em todos os partidos e coligações, contaminando os números gerais da eleição.   

Com efeito, considere um determinado candidato, XYZ, que teve seus votos anulados pós-pleito. Tais votos antes fizeram parte do total de sufrágios válidos obtido pelo partido (ou coligação) de XYZ que, por sua vez, representou parcela do somatório geral de votos nominais e de legenda da eleição. Esse somatório definiu o quociente eleitoral que, por seu turno, entrou como divisor dos quocientes partidários, etc., etc. 

Percebe-se, assim, que a punição a um candidato – eleito ou suplente – resulta numa reação em cadeia nos parâmetros básicos da eleição proporcional, afetando:

1 – os votos nulos do pleito

2 – os votos válidos do partido de XYZ

3 – os votos válidos da coligação (se o partido de XYZ estiver coligado)

4 – os votos válidos totais do pleito

5 – o quociente eleitoral

6 – os quocientes partidários de todos os partidos e alianças

7 – as médias para o cálculo de partição das sobras

8 – a distribuição final das vagas legislativas

Depreende-se, portanto, que mudam todos os parâmetros básicos da eleição, inclusive a alteração na composição do Parlamento, dependendo da quantidade de votos anulada e seus impactos derivados nos quocientes partidários.

Veja-se um exemplo concreto:

O TSE, há poucos dias, anulou os votos (33.152 votos) do 3º suplente do PR, Esmeraldo Santos, na eleição para Deputado Estadual, em Pernambuco. Embora não tenha sido eleito, o fato de ser suplente implica que os votos de Esmeraldo foram computados como válidos para o PR e para a coligação da qual o partido fazia parte.

Pois bem, determinada a anulação dos votos de Esmeraldo (cassação de sua suplência) houve correspondente modificação em todos os itens enumerados acima, de 1 a 7, exceto o de número 8, visto que a quantidade de votos anulada (33.152 votos) não foi tão grande a ponto de ocasionar mudança na composição dos eleitos à ALEPE (os quocientes partidários, que definem quantas vagas cabem aos partidos ou coligações, tiveram alterações apenas marginais).

Se a votação de Esmeraldo tivesse sido bem maior a composição da lista de eleitos poderia eventualmente ter sido alterada relativamente à anterior, pré-cassação.

Enfim, esse exemplo é bem ilustrativo do surrealismo dessa legislação: pode acontecer até de um suplente de um partido ser cassado e, por conta disso, um parlamentar, da mesma agremiação ou de outra qualquer, que figura como eleito na listagem da Justiça Eleitoral, ter que dar a vaga para algum suplente.

As conseqüências da cassação de um candidato, eleito ou suplente, são pertinentes a ele próprio, não deveriam acarretar danos ao partido a que pertence. Até mesmo porque a candidatura submetida antes do pleito à Justiça Eleitoral foi acolhida normalmente na ocasião, havendo, ipso facto, presunção de legalidade para tal.

Se depois aconteceram, ou vieram à tona, fatos supervenientes, adstritos ao âmbito do indivíduo, que redundaram na cassação de sua candidatura, a agremiação partidária não pode ser responsabilizada com a perda dos votos correspondentes e, quiçá até, com a diminuição de sua bancada.

Assim, a ação impetrada pelo DEM e, anteriormente, no mesmo sentido, pelo PTB, visa a evitar que a anulação de votos de um determinado candidato, após a eleição ter sido dada como finda, venha a causar dano numérico ao partido respectivo e repercussão generalizada no pleito proporcional. Mais natural seria, como requer o DEM, que os votos anulados sejam revertidos para o próprio partido.

Se o STF acolher a ação a que alude a matéria acima, há que se ponderar que a medida só deveria vigorar para as próximas eleições, começando com a de 2012. Se vigir a partir de agora, no início da presente magistratura, pode acarretar insegurança jurídica nos estados onde houve cassação de candidaturas, eleitas ou suplentes, pois todos os cálculos da eleição proporcional de 2010 precisariam ser refeitos nessas localidades.

Maurício Costa Romão é economista e consultor do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau

 

Deixe um comentário