Maurício Costa Romão
O post anterior relatou o caso da professora Constância Melo de Carvalho que havia tomado posse neste ano na Câmara Municipal de Coivaras, no Piauí, com apenas um voto, o dela própria. Na matéria de hoje o blog relembra o inusitado episódio envolvendo a estudante Millane, também no Piauí.
Há cerca de dois anos o STF, em votação colegiada, não obstante provisória (inter partes), entendeu que a vaga aberta pela renúncia do deputado Natan Donadon (PMDB-RO) deveria ser preenchida pelo primeiro suplente da própria sigla, e não pelo primeiro suplente da coligação da qual é componente.
A surpreendente decisão gerou, como se observou, enorme insegurança jurídica no que concerne ao chamamento de suplentes em todos os Parlamentos do país: algumas dessas Casas fizeram-no consoante o rito histórico, obedecendo à listagem expedida pela justiça eleitoral, e outras, preferiram lastrear-se na decisão precária exarada por aquela corte máxima. Os suplentes da vez, preteridos num e noutro caso, entraram com reclamações jurídicas tão logo se oficializaram as convocações.
Foi exatamente este o caso da estudante Millane Patrícia Moura que reivindicou na justiça, na qualidade de primeiro suplente do PC do B, a vaga aberta no legislativo estadual do Piauí pela licença de deputado do mesmo partido.
Muita gente, equivocadamente, viu na demanda judicial da estudante uma atitude ousada e descabida, posto que a suplente tivera apenas 30 votos no último pleito, com o agravante de que nem nela própria votou. Muitos externaram opinião de que uma candidata com votação tão ínfima não podia reivindicar vaga nenhuma.
O problema não tem nada a ver com quantidade de votos. Tanto faz Millane ter tido 30, quanto 30 mil votos. Ela apenas se valeu de uma brecha permitida pela inusitada decisão do STF.Estava no seu direito.
O cerne da questão foi a repentina violação da norma histórica que tem presidido os Parlamentos do país. Sempre tais Casas preencheram as vagas legislativas oriundas de partidos coligados, nos casos de licença, renúncia, morte ou perda de mandato parlamentar, obedecendo à lista de suplentes da coligação, enviada pela justiça eleitoral, nunca na ordem de votação da legenda que a compõe.
E qual a razão desse procedimento histórico dos Legislativos? Para assunção aos Parlamentos os candidatos se valem da votação conjunta da coligação, não importando a contribuição de votos de cada partido da aliança. Eles se elegem então pela coligação (juridicamente, um partido), e não pelas agremiações componentes, embora os mandatos vão ser exercidos em nome das legendas partidárias.
O quociente partidário, que determina o número de vagas da coligação, depende do somatório de votos nominais e de legenda da coligação como um todo; não há quociente partidário das siglas componentes da aliança, até porque a legenda não existe no interior da coligação.
Ao cabo dos pleitos a justiça eleitoral apura quantas vagas cabem à coligação, preenchendo-as consoante a listagem ordinal dos candidatos mais votados, independente dos partidos a que pertençam. O candidato que ficou com a maior votação imediatamente abaixo da votação do ocupante da última vaga será o primeiro suplente da coligação, qualquer que seja a sua sigla partidária.
Então, aberta a vaga legislativa, tem-se convocado o suplente da coligação, na ordem de votação constante da lista da justiça eleitoral.
Posteriormente, em abril de 2011, o pleno do STF, em decisão final e com eficácia erga omnes, determinou que a vaga em questão deveria ser ocupada por suplente de coligação.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Políticas e de Mercado e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau.