
Por Maurício Costa Romão
Vez por outra aparece alguém decepcionado com a política e, principalmente, com os políticos, fazendo incitamento à rebeldia eleitoral, pregando o voto em branco e o voto nulo.
Para as eleições proporcionais essa linha de raciocínio, se abraçada pelo eleitor, escancara os parlamentos à assunção de candidatos e/ou partidos sem expressão político-eleitoral, causando um dano irreparável, conforme se argumentará a seguir.
Quando o cidadão opta por votar em branco ou anular o voto, o faz geralmente motivado por alguma forma de protesto contra o sistema político-eleitoral vigente. Todavia, ao tratar todos de maneira indistinta (os votos brancos e nulos não são individualizados), quando o alvo são os maus políticos, o eleitor está, na verdade, ajudando a eleger alguns deles. Como ocorre esse efeito?
O “quociente eleitoral” (QE) é o parâmetro a partir do qual se define o preenchimento das vagas parlamentares nas Assembléias Legislativas e Câmaras e é calculado dividindo-se por essas vagas o total de votos válidos de cada pleito (votos nominais e de legenda, subtraindo-se os votos em branco e os nulos). O QE representa o limite mínimo de votos válidos que cada partido ou coligação tem que ter para assegurar vagas no parlamento (a chamada “Quota Hare”).
Ora, como os votos brancos e nulos são variáveis constitutivas do QE, na medida em que os eleitores fazem uso de tal recurso como forma de protesto, eles estão contribuindo para diminuir o QE (quando aumentam os votos brancos e nulos, como proporção dos votos apurados, diminuem os votos válidos e, portanto, reduz-se o QE, já que o denominador, o número de vagas, é pré-determinado).
Se o QE baixa, aumenta a chance de esse parâmetro ser atingido por partidos e/ou pessoas sem dimensão política ou, simplesmente, torna mais fácil a possibilidade de “sobras”, convite ao “efeito Enéas” (sobras de votos que ensejam eleger parlamentares com baixíssimas votações).
Então, o que inicialmente fora pensado ser uma manifestação de protesto por parte do eleitor, visando a depurar o sistema, torna-se, ao contrário, uma contribuição sua para piorá-lo.
Felizmente, a evolução dos dados eleitorais relativos à abstenção, como fração do eleitorado, e aos votos bancos e nulos, como proporção dos votos apurados, nas eleições proporcionais e majoritárias, tem apresentado indícios de que o eleitor vem procurado, cada vez mais, comparecer aos pleitos e validar o seu voto (ainda que tenha havido, em alguns estados e municípios, pequena reversão de tendência em 2006 e 2008).
Então, a evidência empírica sugere que está em curso um salutar processo de retração do fenômeno que a literatura especializada chama de “alienação eleitoral” ou “alheamento eleitoral”: elevada incidência de abstenção, de votos brancos e de votos nulos, nos pleitos eleitorais. Obviamente, não serve à democracia inflexão dessa trajetória.