Maurício Costa Romão
Nos debates sobre a sistemática de eleição de deputados e vereadores no Brasil o PMDB tem defendido substituir o mecanismo proporcional vigente pelo voto majoritário, numa variante magnificada do modelo distrital puro, o chamado “distritão”.
Os argumentos usados pela cúpula pmdebista enaltecem três vantagens da nova modalidade: (1) as coligações proporcionais se extinguiriam; (2) não haveria mais transbordamento (spillover) de votos dos chamados “puxadores de votos”, e (3) vigoraria a denominada “verdade eleitoral”, segundo a qual os mais votados são sempre os eleitos.
Quanto ao item (1), no modelo do distritão, focado que é no indivíduo-candidato, não há votos de legenda nem quociente eleitoral, portanto, as coligações desaparecem, não fazem sentido.
De fato, as coligações proporcionais encerram as maiores deformações do modelo atual de lista aberta, de sorte que sua extinção é extremamente salutar. A questão é que este desiderato pode ser conseguido sem necessidade de mudança de sistema de voto. Basta modificar o art. 6º da Lei das Eleições, simplesmente proibindo tais alianças.
Já no que diz respeito ao item (2), o transbordamento de votos do puxador para o partido pode ser evitado no âmbito do próprio sistema atual mediante a determinação dos votos válidos da eleição em duas etapas*, preservando-se, assim, o direito do afortunado de votos ser eleito, sem que sua votação excedente ao quociente eleitoral seja transferida para candidatos olímpicos, em detrimento de postulações mais representativas.
Outra maneira de dificultar ascensão ao Legislativo de candidatos com votações inexpressivas é instituir cláusulas de barreira individual, como sugerido na PEC 352/13. Por exemplo, somente seria eleito parlamentar o candidato que tivesse votos nominais correspondentes a, pelo menos, 10% do quociente eleitoral de sua circunscrição.
As vagas não preenchidas por conta dessa cláusula poderiam ser ocupadas, por exemplo, pelos candidatos individualmente mais votados da eleição, conforme propõe a referida PEC, instituindo um componente majoritário na proposta. Nesta hipótese, todavia, haveria necessidade de uma emenda à Constituição.
Finalmente, nos modelos proporcionais os candidatos são eleitos em consonância com a proporção de votos obtida pelos partidos. Asseguradas as vagas, os mais votados dos partidos ascendem ao Parlamento.
Acontece que os candidatos mais votados dos partidos não são necessariamente os candidatos mais votados da eleição, ou que têm mais votos do que os não eleitos. Esta distorção altera a vontade do eleitor e é a essência da crítica dos adeptos do distritão (item 3).
Em que pese não atender ao requisito da verdade eleitoral, o sistema proporcional, por outro lado, assegura que os diversos grupos sociais ou políticos, com suas idéias e interesses, possam estar representados no Parlamento, na razão direta de sua importância numérico-eleitoral.
Esta pluralidade não acontece no sistema majoritário. Os mais votados são, geralmente, os que podem mais, em especial num ambiente de grande prevalência do poder econômico, e tende a haver concentração de votos e de eleitos nos partidos mais fortes, dificultando a representação de partidos pequenos ou ideológicos.
Em suma, não carece migrar do sistema proporcional de lista aberta para o distritão-majoritário por conta das coligações e dos puxadores de votos. A lipoaspiração desses itens pode ser feita dentro do próprio sistema atual.
Resta ao modelo proposto seu ponto forte: alçar ao Parlamento somente candidatos mais votados. Mas este atributo não assegura uma “partilha equilibrada” do poder político, como é garantido no sistema vigente.
Não seria então mais razoável aperfeiçoar o mecanismo de voto em uso no País há 70 anos, ao invés de se ficar fazendo tais experimentações?
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Cenário Inteligência e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. https://mauricioromao.blog.br.mauricio-romao@uol.com.br
* “Três propostas de aperfeiçoamento do sistema brasileiro de eleições proporcionais”. Trabalho nosso apresentado no VI Congresso Latino-Americano de Ciência Política, organizado pela Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP). Quito, 12 a 14 de junho de 2012.
Caro Maurício, tendo em vista o seu reconhecimento do valor que o sistema proporcional para a democracia brasileira, gostaria de ouvir-lhe a opinião sobre as virtudes e falhas proposta da “Reforma Política Democrática”, capitaneada pelo MCCE – Ficha Limpa e OAB:
http://www.reformapoliticademocratica.org.br/conheca-o-projeto/
Pela minha leitura, entendi que ela institui um sistema proporcional, com lista pré-ordenada por convenção partidária e veda as coligações proporcionais.
Assim, as eleições legislativas ocorreriam em dois turnos: no primeiro, o voto seria dado ao partido, o que definiria as cadeiras. No segundo, o partido apresentaria seus candidatos, no dobro das vagas que conseguiu obter, de acordo com a lista definida.
No momento, é a proposta que mais me atrai, mas também não consegui visualizar eventuais falhas e problemas que esse sistema possa desencadear.