A REGRA DA QUOTA E OS PARADOXOS ELEITORAIS

 

Maurício Costa Romão

Nas análises a respeito de sobras eleitorais, discute-se o fato de que não se pode distribuir “frações de cadeiras” entre partidos ou coligações, o que, de resto, é um impeditivo relacionado com qualquer divisão proporcional de objetos indivisíveis. Há de se achar uma maneira de tratar a parte fracionária dos quocientes partidários (tais quocientes são chamados de quotas na literatura internacional), e os diversos métodos de divisão proporcional conhecidos tratam exatamente disso.

Imagine-se que um quociente partidário (divisão dos votos válidos do partido pelo quociente eleitoral) seja igual a 2,634. Desnecessário dizer que não faz sentido se falar em 2,634 cadeiras. Ou são duas cadeiras, ou são três. É sobre essa problemática de como tratar a parte fracionária desse número que reside, como já comentado, toda a controvérsia sobre a alocação de vagas parlamentares nos sistemas proporcionais, e o motivo de um sem-número de métodos e fórmulas que existem na literatura especializada.

Os métodos, em geral, ou arredondam a quota para baixo, ficando apenas o número inteiro, ou arredondam para cima, resultando no número inteiro mais uma unidade. No primeiro caso, a quota é chamada de quota mínima e, no segundo, de quota máxima:

Quota mínima = parte inteira da quota

Quota máxima = parte inteira da quota + 1

O método brasileiro utilizado no processo de divisão proporcional, fruto do emprego combinado da quota Hare com a fórmula D’Hondt, viola a “regra da quota”, um critério fundamental de justiça da partilha equilibrada. Essa regra estabelece que um método justo de repartição proporcional é aquele que consegue distribuir cadeiras parlamentares entre partidos ou coligações em quantidades iguais à sua quota mínima ou máxima.

No sistema utilizado no Brasil, a quota (o quociente partidário), gera um resultado que quase sempre é um número composto de uma parte inteira e outra fracionária, 1,428, por exemplo. Neste caso, a quota máxima, será duas cadeiras e a mínima será uma. Violação à regra da quota ocorre quando um partido ou coligação, após a divisão proporcional, tiver mais cadeiras do que determina sua quota máxima ou menos do que é definido pela sua quota mínima. No modelo proporcional brasileiro, quer dizer, na aplicação do método D’Hondt, a quota mínima nunca é violada, mas a quota máxima o é com frequência.

Na eleição recente de 2010, em Pernambuco, parar deputado estadual, pôde-se perceber uma violação clara à regra da quota proporcionada pela Coligação Frente Popular de Pernambuco cujo quociente partidário foi de 30,194. Pela regra, a coligação nunca teria menos de 30 cadeiras, nem mais de 31. Teve 33, entretanto.

Em síntese, o método D’Hondt viola a regra da quota, portanto, é considerado um critério de divisão proporcional injusto. Todavia, o método D”Hondt não é o único que falha nesse quesito. Todos os métodos conhecidos, exceto o de Hamilton, violam esse requerimento fundamental de justiça distributiva.

Regra da quota e paradoxos

O método D’Hondt de divisão proporcional, além de não satisfazer a regra da quota, depara-se, ainda, com algumas dificuldades no sentido de “produzir justiça” no processo de partilha de objetos indivisíveis entre concorrentes, por exemplo, no caso de distribuir cadeiras do Parlamento entre partidos ou coligações.

De fato, a sistemática adotada no Brasil incorre em alguns dos mais famosos paradoxos conhecidos na literatura especializada que trata da matemática da divisão proporcional: o Paradoxo de Alabama, o Paradoxo da População e o Paradoxo dos Novos Estados. 

O Paradoxo de Alabama ocorre quando um determinado aumento no número total de cadeiras do Parlamento acaba por fazer com que um dos partidos ou coligações perca uma cadeira já conquistada antes. Trata-se, portanto, de um caso típico de injustiça, já que o correto seria que a adição de cadeiras não prejudicasse os partidos ou as coligações que já as possuem.

A denominação Paradoxo de Alabama adveio da descoberta, em 1880, nos Estados Unidos, de que se a Câmara dos Representantes daquele país tivesse 299 cadeiras, o Estado de Alabama teria direito a 8 cadeiras. Todavia, se o número total de cadeiras da Câmara fosse aumentado para 300, Alabama perderia um assento, ficando com apenas 7. Um paradoxo sem dúvida: o acréscimo no número total de cadeiras faz com que um dos partidos perca uma cadeira que já tem, quando seria razoável se esperar que nenhum dos partidos fosse prejudicado (uma espécie de “Ótimo de Pareto”, situação na qual algum partido se beneficiaria sem que nenhum outro saísse perdendo).

Imagine-se, agora, que num determinado país, a representação parlamentar dos estados na Câmara dos Deputados seja determinada em função do tamanho de sua população (como é o caso do Brasil). Suponha-se, também, que em certo momento resolve-se ajustar as representações dos estados na Câmara em razão da atualização das estatísticas populacionais do país (coisa que no Brasil não tem sido feita, desde 1994). 

O Paradoxo da População refere-se à inusitada e injusta situação em que um estado R perde vagas parlamentares na Câmara para um estado S, mesmo que o crescimento populacional de R haja sido muito maior do que o de S.

Admita-se, agora, que foi aprovada no Congresso Nacional a criação de um novo estado na federação e a adição de sua representação ao total de parlamentares existentes. A representação parlamentar do novo estado na Câmara dependerá de sua população. O Paradoxo dos Novos Estados diz respeito à singela ocorrência em que a chegada de um novo estado com representação na Câmara altera a distribuição de vagas preexistentes entre os antigos estados. Seria de se esperar, é claro, que se mantivessem intactas as bancadas dos estados com a chegada dos novos parlamentares.

Esse fenômeno ocorreu nos Estados Unidos, quando Oklahoma se tornou um novo estado da federação em 1907. Pelo tamanho de sua população, o Estado de Oklahoma teria direito a 5 deputados na Câmara dos Representantes, que passaria de 386 para 391 parlamentares. Recalculada a nova distribuição de vagas, constatou-se que o Estado do Maine ganhou uma vaga, passando de 3 para 4, e o Estado de Nova York perdeu uma, diminuindo de 38 para 37.

Infelizmente, o método brasileiro produz todos esses paradoxos que causam injustiça no processo de partilha proporcional e, ainda por cima, como já mostrado, viola a regra da quota, um critério fundamental de justiça dessa divisão. O Quadro a seguir faz um resumo dos métodos de divisão proporcional vis-à-vis aos paradoxos e a regra da quota.

No Quadro 1, deixa-se evidente que não existe nenhum método de partilha equilibrado que seja totalmente isento de produzir paradoxos ou violar a regra da quota. Quer dizer, não há método de divisão proporcional que seja justo, perfeito, ideal. Essa extraordinária descoberta foi feita em 1980 por dois matemáticos americanos – Michael L. Balinsky e H. Peyton Young – e ficou internacionalmente conhecida como “teorema da impossibilidade de Balinsky e Young”, cujo enunciado é: “Qualquer método de partilha que não viole a regra da quota produz paradoxos e qualquer método de partilha que não produza paradoxos viola a regra da quota.”

Quadro 1 – Métodos de divisão proporcional que violam a regra de quota ou produzem paradoxos

Situação / Métodos Hamilton Jefferson Adams Webster D’Hondt
Viola a Regra da Quota Não Sim Sim Sim Sim
Produz o Paradoxo de Alabama Sim Não Não Não Sim
Produz o Paradoxo da População Sim Não Não Não Sim
Produz o Paradoxo dos Novos Estados Sim Não Não Não Sim

Fonte: autoria própria

Deixe um comentário