Maurício Costa Romão
A deputada Renata Abreu (Podemos-SP) irá apresentar nesta semana à comissão da reforma eleitoral na Câmara proposta de mudança do atual sistema de voto de eleição de presidente, governador e prefeito por um modelo denominado de “voto alternativo” ou “voto preferencial” (também chamado de “voto ordenado” ou de “segundo turno instantâneo”).
A fundamentação da relatora é a de que o voto alternativo impede que a eleição de segundo turno se dê entre dois candidatos altamente rejeitados (leia-se Bolsonaro e Lula), o que resultaria na continuidade da divisão do país, quem quer que fosse o vencedor.
Conquanto o quadro eleitoral se mostre tendente a ter o confronto entre Bolsonaro e Lula e que a vitória de um ou outro vai com certeza acirrar a polarização existente, trazendo mais dificuldades para o país, a propositura é de um casuísmo inusitado.
A mensagem que passa é a de que a cada eleição pode-se ficar trocando de sistema de voto em função de candidaturas percebidas como não aceitáveis por determinados segmentos da sociedade. Uma violência contra a vontade popular e contra a soberania do voto.
Ademais, é inconcebível que proposta de tamanha relevância esteja em vias de ser votada na Câmara, já para adoção no próximo pleito, sem discussão mínima na sociedade, além de que essa pauta não é prioritária para o país, ainda convivendo com sérias questões sanitárias.
Quanto ao modelo sugerido, ele é usado para as eleições presidenciais na Irlanda e em eleições provinciais no Canadá e na Nova Zelândia. Foi testado para governador no estado americano de Maine em 2018 e será adotado nas primárias do partido Democrata para escolha do candidato a prefeito de Nova York.
No mecanismo, o eleitor vota ordenando suas preferências e coloca o numeral 1 ao lado do nome do seu favorito, o numeral 2 ao lado do nome da sua segunda opção, e assim sucessivamente. Ao fim do pleito, se nenhum candidato alcançar mais de 50% dos votos, elimina-se o menos votado da lista e se transferem os votos da sua segunda opção para os demais concorrentes.
Se depois dessa rodada ainda assim ninguém ultrapassar os 50% dos votos, faz-se nova rodada, eliminando-se o penúltimo da lista e transferindo seus votos para os outros candidatos. O processo continua até que um dos candidatos obtenha mais da metade dos votos válidos.
Elencam-se como vantagens do modelo a dispensa o segundo turno e a economia dos correspondentes gastos financeiros; o fato de minimizar o voto útil, já que o voto do eleitor no seu preferido (e não em quem é percebido com mais chances de ganhar) não é desperdiçado e o mérito de o modelo evitar candidaturas muito rejeitadas ou propostas radicais, visto que tais postulações se perfilariam nas últimas colocações na lista.
Ora, o atual sistema brasileiro de dois turnos, vigente desde a Constituição de 1988, já cumpre em geral o papel de diminuir a importância do voto útil, mais freqüente no primeiro turno, e de minimizar propostas radicais. O gasto financeiro de sua realização é parte natural do custo de manutenção da democracia.
O mecanismo proposto é extremamente complexo e exige certo nível de formação e compreensão dos eleitores (imaginem-se 13 candidatos como em 2018, simultaneamente com o pleito dos governadores). Sua aplicação só seria possível com o emprego de urna eletrônica para operacionalizar o intricado processo de transferência de votos, sujeito a questionamentos, como os que estão acontecendo agora.
O sistema em questão, não garante que o mais votado do pleito seja eleito (a “verdade eleitoral”), um desrespeito à vontade do eleitor. Também não foi testado em países com as dimensões brasileiras, já que fora concebido para pequenos distritos ou colégios eleitorais reduzidos (premiação do Oscar, eleição de membros da Academia Brasileira de Letras, etc.).
Por último, tem-se a questão da pesquisa eleitoral – caixa de ressonância do pensamento do eleitor – que se tornou indissociável das eleições. Pois bem, no modelo proposto a pesquisa teria sua utilidade muito reduzida, já que haveria dificuldades de estimar as diversas opções do leque de preferências dos eleitores.
A inoportuna sugestão não merece prosperar.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br