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Claudio Shikida
Folha de S.Paulo, 18/02/2012
Ulisses, conhecido herói da Odisseia, é geralmente citado em uma cena famosa na qual se amarra ao mastro do navio e pede que seus companheiros de viagem encham os seus ouvidos de cera. O objetivo é não ceder ao mortal canto sedutor das sereias. Um dos periódicos científicos de economia, o “Constitutional Political Economy”, usa esse desenho como imagem de fundo em suas capas.
A mensagem é simples: toda economia está sujeita às ações dos políticos. Caso não existam regras para conter essas ações, há um potencial risco de que a prosperidade socioeconômica seja destruída.
Por uma ironia terrível, Ulisses -ou Odisseu, em grego- é um perfeito símbolo da crise grega.
A Grécia se juntou à União Monetária Europeia em 2001, após, supostamente, ter ajustado as suas contas fiscais conforme as exigências. Entretanto, em 2011, no auge da crise, vem à tona a notícia de que políticos gregos teriam, no período entre 2003 a 2009, maquiado as contas públicas que apresentava à União Europeia (UE).
Em outras palavras, houve uso e e abuso da chamada “contabilidade criativa”. Como geralmente ocorre nestes casos, o governo grego passou anos gastando mais do que poderia, uma prática que faria sorrir o nosso mais excitado keynesiano vulgar (ou, como diz o economista Alexandre Schwartsman, “keynesiano de quermesse”).
Mas em economia “não existe almoço grátis”: a gastança de hoje significa maiores necessidades de recursos amanhã. Por que os europeus -e os gregos- não perceberam isso antes?
Pense na seguinte analogia: um grupo de dez pessoas que decida, voluntariamente, pagar ao chefe do grupo (o governo) cinco centavos cada. Em seguida, o chefe do grupo decide que um deles ficará com os 50 centavos arrecadados. O sortudo escolhido ganhou, em termos líquidos, 45 centavos.
De maneira similar, a Grécia, enquanto mentia sobre a sua situação fiscal, imaginava ter encontrado a fórmula para gastar apenas cinco centavos e receber nove vezes o valor que pagou.
Com a crise de 2008, que se desdobrou em uma crise de crédito, descobriu-se que o padrão de vida usufruído pelos gregos por tanto tempo era ilusório. Ele era fruto, entre outros fatores, de uma verdadeira irresponsabilidade de seus políticos, prejudicando tanto a sua população quanto o resto da Europa.
Para piorar, o PIB do país encolheu (7% somente no último trimestre de 2011) e o pagamento da conta veio no curtíssimo prazo, forçando soluções desagradáveis não apenas para os gregos, mas para todos os europeus.
Alguns acham que o governo grego poderia optar por sair da UE, outros falam de sua “expulsão”. A adoção de um governo provisório por parte da UE é uma possibilidade, embora enfrente o velho fantasma do nacionalismo -ironicamente, o mesmo nacionalismo não faz tanto barulho quando um governo cede sua política monetária a outro, ao adotar uma taxa de câmbio fixa.
Independentemente do governo que se tenha na Grécia, o fato é que não há possibilidade de recuperação acelerada: os parceiros comerciais da Grécia não vivem um bom momento econômico.
Não existe a opção de “não cumprir” as exigências dos credores. Fora ou dentro da UE, o fato é que o governo grego não abandonará os benefícios do comércio mundial: o melhor caminho é a negociação, não o calote.
Infelizmente, no momento, Ulisses está amarrado às sereias e não parece conseguir nadar de volta ao barco que, por sua vez, não tem a seu favor os bons ventos da economia mundial.
CLAUDIO SHIKIDA, 42, doutor em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é professor do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) de MG. Foi docente da Universidade Federal de Minas Gerais e da PUC-Minas
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