Maurício Costa Romão
No seu mui visitado blog o jornalista Magno Martins postou instigante matéria (“E se João ganhar?”, 03/03/2012), em meio à qual escreve:
“Numa eventual vitória do prefeito João da Costa nas prévias do PT em maio, os que hoje se opõem à sua reeleição, incluindo o agora concorrente Maurício Rands, o apoiarão? E ao apoiarem em nome da unidade, mudarão o discurso? […] Será muito interessante ver, novamente, Humberto, Rands e Eduardo dividindo o mesmo palanque de João da Costa, que hoje não serve para governar o Recife, na visão deles, por não estar bem na chamada ditadura das pesquisas” (grifo nosso, MCR).
A influência das pesquisas
Ao referir-se à ditadura das pesquisas – leia-se, à capacidade de as pesquisas determinarem o resultado eleitoral – Magno Martins toca em questão extremamente controversa. Com efeito, a distinção entre apenas aferir a opinião pública e influenciar essa opinião é assunto não resolvido, teórica e empiricamente.
Em levantamentos recentes o Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau (IPMN), em parceria com o Jornal do Commercio e o portal LeiaJá, têm, de fato, detectado níveis elevados de insatisfação do recifense com a administração da cidade, bem como baixos percentuais de intenção de votos para o seu gestor, prefeito João da Costa.
Mas as pesquisas do IPMN, é claro, não foram responsáveis pelos fatores determinantes dessa avaliação, e muito menos pelo inferno astral vivenciado pelo chefe do executivo desde há algum tempo. As pesquisas foram meros veículos de aferição do que pensam os eleitores do Recife e apenas espelharam o sentimento prevalecente da população naqueles instantes de tempo.
Agora, quando os números das pesquisas afloram, eles são magnificados e passam a ser o farol que ilumina as discussões político-partidário-eleitorais. Nesse sentido as pesquisas são “ditadoras”. O exemplo recente da capital paulista é paradigmático: quando o Datafolha detectou um índice de 30% de intenção de votos para José Serra e apenas 3% para Fernando Haddad, o mundo veio abaixo e toda uma reconfiguração de forças de apoiamento aos dois pré-candidatos entrou em curso.
Outro fator que induz ao conceito de ditadura é que para um candidato que está na frente em intenção de votos a pesquisa funciona como uma peça de seu marketing, assim como ele usa sua propaganda, seu jingle de campanha, etc. Nesta circunstância, o candidato usa a pesquisa como forma de mostrar seu favoritismo e de estimular o voto útil, voto que premia quem está na frente nos levantamentos eleitorais.
Em resumo, há relativo entendimento na literatura especializada de que as pesquisas influenciam uma parcela do eleitorado, notadamente o de renda e escolaridade mais baixas, mas não a ponto de definir eleições. Ganhar eleição mesmo, quem ganha é o candidato, não é a pesquisa.
Eleição sem pesquisas
Mesmo que nas eleições imperasse realmente a ditadura das pesquisas, ainda assim, para o processo político-eleitoral, seria melhor do que conviver com a não existência delas.
As pesquisas eleitorais exercem um importante papel de comunicação, que é o de expressar para a sociedade o que é que o eleitor está pensando sobre as eleições, quais são seus sentimentos e expectativas, quais suas preferências pelos prováveis candidatos, etc. A pesquisa é a caixa de ressonância do pensamento do eleitor.
Se não houvesse pesquisa eleitoral, aí sim, poder-se-ia falar de ditadura, mas de “ditadura da informação”. As informações sobre a campanha e seus atores ficariam adstritas apenas a um pequeno segmento da população. A grande maioria assistiria a tudo de longe, por ouvir dizer, conjecturando sobre tais e quais postulações, alianças, possibilidades eleitorais, etc.
O principal interessado, o eleitor comum, aquele que vai decidir sobre como ele quer sua cidade e quem ele vai escolher para administrá-la, não seria consultado durante a campanha. Seu pronunciamento dar-se-ia apenas no dia do pleito, mas aí consubstanciado em pouca ou nenhuma informação. Apenas um pequeno número de eleitores teria o privilégio de deter informações qualitativas e quantitativas não acessíveis à maioria, caso típico de informação assimétrica.
Só pesquisas? Argumento insubsistente
Na matéria em apreço Magno Martins diz ainda que se “inventou a alternativa Rands sob a alegação de que o prefeito, mal das pernas nas pesquisas, não se reelegeria”.
Para breve apreciação deste ponto é preciso inicialmente apelar para questões conceituais. A pesquisa é um mero instrumento técnico de acompanhamento do processo eleitoral, que serve para apontar tendências com base em levantamentos sucessivos. Ela não “projeta o futuro”, portanto, é incapaz de, por exemplo, predizer os percentuais exatos que os candidatos obterão nas urnas.
Uma pesquisa isolada dá uma boa visão panorâmica sobre o quadro eleitoral, no dado instante de tempo em que é realizada, mas diz muito pouco em termos estratégicos, de prognóstico, de futuro. Aqui não dá prá escapar do famoso clichê: “pesquisa é o retrato do momento”. E cada momento capta uma dada situação, um dado sentimento, um dado ambiente psicossocial, uma dada configuração político-eleitoral.
O problema todo é que as pessoas, às vezes, não compreendem essa circunscrição temporal, ficam ansiosas e querem entender esse momento isolado como projeção do futuro. Ao fazerem isso elas só pavimentam o caminho para frustrações e desenganos. Vejam-se os exemplos das últimas três eleições para prefeito, aqui no Recife. Eles contradizem a tese prevalecente de que a derrota anunciada de João da Costa é inexorável.
Em março de 2000, mesmo mês da última pesquisa IPMN deste ano, levantamento do Vox Populi dava Roberto Magalhães com 46% de intenção de votos e João Paulo com 14%. O Ipespe detectou naquele mês que a avaliação da administração do Dr. Roberto era 47% positiva e 15% negativa.
Em 2004, no mês de junho (única referência mais próxima da última pesquisa IPMN deste ano), o mesmo Vox Populi registrava 34% de intenções de voto para Cadoca e 29% para João Paulo. A avaliação da gestão de João Paulo era positiva, mas nem tanto (39% de ótimo e bom, contra 30,8% de ruim e péssimo).
Um ano antes da eleição de 2008, Cadoca estava com 30,2% de intenção de votos e João da Costa com apenas 4,3%. A Método, em levantamento de março de 2008, compatível temporalmente com a última rodada do IPMN, agora em março de 2012, dava liderança para Mendonça Filho com 34,7%, seguido de Cadoca com 21,6% e do atual prefeito com 11,7%.
A história final dessas eleições é de todos sabida. Quem cometeu o desatino de extrapolar esses contextos isolados para o futuro, equivocou-se redondamente. Portanto, é pouco provável que os líderes partidários contrários à candidatura do prefeito queiram substituí-lo assentados apenas nas pesquisas realizadas a mais de seis meses do pleito.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br https://mauricioromao.blog.br.