A BASE DE DADOS PARA FIXAÇÃO DO NÚMERO DE DEPUTADOS FEDERAIS

Por Mauricio Costa Romão

mauricio-romao@uol.com.br

A classe política foi surpreendida no início deste ano com uma minuta de Resolução baixada pelo TSE em que modificava os quantitativos de deputados federais por estado da federação. A estranheza adveio do fato de que desde 1994 aquela egrégia corte não promovia tais alterações, conforme apregoa a própria Carta Constitucional, e, inesperadamente, em pleno ano eleitoral de 2010, intentava fazê-lo.

Prevendo as grandes repercussões que adviriam de tal medida, o Pleno do TSE optou por promover uma audiência pública na qual a matéria seria submetida a debate.

Já estava claro antes daquela audiência pública que o maior questionamento dos estados que teriam diminuição de parlamentares centrar-se-ia no descumprimento daquele órgão do art. 45, parágrafo 1º, da Constituição, que estabelecia fosse a representação de deputados por estado proporcional à população procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições”.

E foi o que aconteceu no mencionado encontro: a principal manifestação dos presentes focou os princípios da anualidade, anterioridade e a insegurança jurídica que adviria de tal medida às portas da eleição. Prevalecendo o bom senso, o TSE optou por manter os mesmos quantitativos já fixados nas legislaturas enteriores.

Desde a publicação da minuta, na Quarta-feira de Cinzas, entretanto, havia sido levantado por vários parlamentares, urbi et orbi, um argumento complementar (e às vezes, alternativo) à linha de defesa elaborada pelos estados prejudicados, de que a decisão do TSE não teria cabimento porque o Tribunal se baseava em dados defasados do Censo do ano 2000 para estimar populações de 2009. Este argumento é insubsistente.

Com efeito, nos anos após os Censos, o órgão realiza contagem de população, estimativas, projeções, revisões, checagem através do PNAD, etc. O grau de acuracidade de uma estimativa do Instituto é muito grande. Daí por que é um dos principais órgãos de estatística demográfica do mundo.

Naturalmente que em um município de 12.560 habitantes qualquer variação populacional, por pequena que seja, pode ser relevante (para as transferências constitucionais, por exemplo). Cabe aí, então, uma preocupação maior com as estimativas.

Mas para um país de 191.440.832 habitantes (2009) ou para um estado como Pernambuco, que tem 8.805.563 pessoas (2009), a minúcia da precisão só é relevante em casos excepcionais, mormente quando os dados provêm da mesma concepção metodológica de apuração (as estimativas populacionais que o IBGE manda para o TCU no dia 1º de julho de cada ano, e publica no D.O.U, usam uma base metodológica comum a todo o levantamento, município por município). Este último argumento é importante e merece ser mais bem elaborado.

O ponto de partida é a sistemática de cálculo do número de deputados federais por estado. Inicialmente, determina-se o quociente populacional (QP), que consiste na divisão da população do país por 513, o número total de parlamentares na Câmara Alta.

O QP significa o nº de habitantes por deputado. Este quociente será utilizado como fator de proporcionalidade nos estados. Pois bem, para a eleição de 2010 o QP é igual a 373.179 habitantes por deputado federal (191.440.832 dividido por 513).

Depois, para se definir quantos deputados federais tem um estado, sabendo-se que cada um equivale a 373.179 habitantes, divide-se a população do estado por este número. Para Pernambuco o resultado é 23,60 deputados federais, quer dizer, 24, arredondando para cima. A representação parlamentar pernambucana perderia, assim, pelo critério da proporcionalidade, um deputado para o pleito de 2010.

Veja-se que nesses cálculos há dois dados primários realmente relevantes: a população do país e a população do estado. A população do país é usada para fixar o fator de proporcionalidade, e a população do estado, para saber quantas vezes esse fator ela comporta. Como ambas as populações proveram da mesma fonte metodológica, um viés em uma seria compensado pelo mesmo viés em outra.

Por exemplo, uma sobre-estimação da população do país aumentaria o QP “verdadeiro”. Este QP maior, contudo, não alteraria a determinação do número de deputados de certo estado se sua população tiver uma sobre-estimação semelhante à ocorrida com a do país, já que a fonte do “erro” foi a mesma.   

Imagine-se, à guisa de reforço argumentativo, que a estimativa populacional do país em 2009 tenha sido, in extremis, sobre-estimada em 10,0% (devido a um erro grosseiro de superestimação da taxa de fecundidade combinada com uma subestimação da taxa de mortalidade).

O QP aumentaria para 410.497 deputados por habitante. Contudo, o erro na estimativa foi também cometido em Pernambuco, já que o procedimento metodológico é o mesmo, aumentando sua população em 10,0%. Observe-se que o número de deputados federais do estado permanece o mesmo: 23,60. O acréscimo no QP foi compensado pelo acréscimo na população estadual.

Enfim, o argumento de uso de base de dados (Censo) defasada não procede, do ponto de vista técnico, para esse caso de alterações de representação parlamentar na Câmara Federal. Não deve ser usado nem como retórica política, por absoluta ausência de fundamentos.

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