A ESQUERDA E AS ELEIÇÕES NA FRANÇA 

José Dirceu

A França realiza no próximo domingo (22/4) o primeiro turno das eleições presidenciais que podem significar um resgate das lideranças e dos governos de esquerda no país – e, quem sabe, na Europa. Pelo que indicam as pesquisas, haverá segundo turno entre o atual presidente, Nicolas Sarkozy, e o socialista François Hollande. Os números mais recentes revelam empate nas intenções de voto, com percentuais próximos.


Mas a tendência é a de que Hollande saia vitorioso no primeiro turno, pois sua campanha está em ascensão e contrasta com o declínio da campanha à reeleição de Sarkozy.

Há muita coisa ainda para acontecer nas eleições francesas, até pelo histórico de grande abstenção das últimas eleições, mas até o momento Sarkozy tem se apegado a uma campanha cujo tom principal é o medo.

Apregoa o temor de que uma vitória socialista traria instabilidade ao país, como se não fosse o presidente a conduzir a França nesse período de grave crise econômico e política.

Sarkozy tem se distanciado do papel de governo durante a campanha, para evitar mais desgastes, mas a estratégica não tem surtido efeitos e o campo conservador começa a se desmobilizar.

E a perda de apoio na corrida presidencial tem levado Sarkozy a recorrer com maior frequência aos discursos que o aproximam da extrema direita, representada nestas eleições por Marine Le Pen, filha de Jean-Marrie Le Pen -que tem 16% nas pesquisas.

É o que se verifica nas posições de Sarkozy em questões como imigração e nacionalismo, caras à extrema direta francesa.

No campo oposto, Hollande faz uma campanha pautada na esperança e nas possibilidades de mudança. Acena com políticas que tragam novas perspectivas socioeconômicas aos franceses – em especial, preocupados com o alto desemprego e o baixo nível de crescimento, frutos amargos de um receituário neoliberal de enfrentamento à crise que impõe cortes nos gastos públicos e nos benefícios sociais como meio de controle fiscal.

Crítico das políticas do atual governo de Sarkozy, que adotou as receitas que têm levado recessão à Europa, o socialista Hollande chega até a usar propostas semelhantes às adotadas no Brasil. É o caso da ideia de atrelar o salário mínimo não apenas à inflação, mas também ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) do país.

Assim, na medida em que a atividade econômica se recuperar, isso se reverterá em ganhos para a sociedade em forma de aumento da renda.

Essa dinâmica de valorização do salário mínimo permite aquecer o consumo, estimular a produção, gerar empregos, favorecer o crescimento e, fechando o círculo virtuoso, ampliar os recursos na mão dos cidadãos.

Trata-se de estratégia que deu certo no Brasil e que pode ser uma das alavancas da recuperação da economia europeia.

Hoje, a profundidade da crise e o equívoco do remédio aplicado (as políticas recessivas neoliberais) levaram à desarticulação do Estado de Bem-Estar Social, que marcou os países da Europa.

Os cortes em benefícios sociais, aposentadorias e nos salários, com os consequentes impactos negativos nos níveis de emprego, retiraram dos cidadãos franceses o sistema de proteção social que levou décadas para ser montado.

Essa crise econômica que se estendeu para a área social acaba por descortinar uma crise política, de falta de lideranças nacionais capazes de formular e executar propostas de superação da crise.

O maior crítico das medidas adotadas pelo governo francês é o candidato de esquerda, Jean-Luc Mélenchon. Com 13% das intenções de voto, Mélenchon não admite a redução do papel do Estado na superação da crise e também denuncia a submissão do atual governo às determinações da Troika (nome dado à junta de interventores do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional).

Se o processo de crise socioeconômica e política na França resultar numa eleição que produza novas lideranças de esquerda, estaremos diante de uma luz no fim do túnel. Pode ser esse o saldo mais relevante das eleições francesas: o início de uma recuperação da capacidade das esquerdas europeias em formular, propor e realizar políticas públicas de crescimento econômico e proteção social.

Se isso se concretizar, o sufrágio na França pode significar um marco de um novo momento no continente.

Espera-se da esquerda francesa que utilize o atual processo eleitoral para se reorganizar, aproximar-se da sociedade e de seus anseios e produzir novas lideranças políticas. A profundidade da crise na Europa exige que a esquerda tome a dianteira das necessárias transformações no continente e seja condutora da trajetória de recuperação.

Não só a França e a Europa serão beneficiadas, mas o mundo todo.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

 

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