Entrevista com Dr. Roberto Magalhães
Jornal do Commercio, em 27.02.2011
Durante os 14 anos em que atuou no Congresso, o ex-deputado Roberto Magalhães (DEM) integrou – e presidiu – a poderosa Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, local onde a reforma política sempre foi tema recorrente. Mas como as propostas sempre feriam os interesses da maioria dos parlamentares, elas nunca chegavam ao plenário. Nesta entrevista, Magalhães fala das dificuldades que enfrentou e revela um dado grave: o desinteresse da população pelas mudanças que a reforma traria ao sistema eleitoral do País.
JC – A reforma política ainda não foi feita porque contraria interesses da maioria dos parlamentares?
MAGALHÃES – Só existe um consenso sobre a reforma política: ela é uma necessidade. O problema é que não tem sido possível formar uma maioria consistente a favor de um projeto. Porque se está submetendo a uma casa política uma matéria que vai repercutir na situação individual dos parlamentares. Mas o mais grave é que, nas inúmeras palestras que fiz sobre esses assuntos, para vários setores da sociedade, encontrei nos auditórios muita reação. Tanto à lista fechada – porque o eleitor não quer abrir mão de escolher seu deputado – quanto ao financiamento público, que o eleitor não aceita porque não considera justo bancar a eleição de quem quer que seja. É um contrassenso, porque sem financiamento público e sem voto em listas fechadas, não se combate a corrupção.
JC – O senhor acredita que o financiamento público funcionaria de forma efetiva, equilibrando economicamente a disputa? Ou vão continuar existindo candidatos poderosos, que usam dinheiro de caixa 2 na campanha?
MAGALHÃES – Se um candidato está numa lista fechada e sabe que só serão eleitos os primeiros dessa lista, por que iria gastar muito dinheiro? Ele seria, aliás, proibido de gastar. Só os partidos poderiam receber o dinheiro da campanha. Isso impediria o caixa 2. Viria para moralizar o sistema eleitoral.
JC – O senhor é autor de um projeto instituindo o voto distrital misto. É possível aprová-lo?
MAGALHÃES – Eu sei que o voto distrital não é para agora. O Brasil já esteve inclinado a esse tipo de voto nos anos 90, quando cheguei à Câmara. Isso mudou, mas ainda acho que é a saída, porque com tanta gente contra a lista fechada e o financiamento público, o voto distrital misto atenderia aos dois lados. Teríamos metade dos parlamentares eleitos por lista fechada e outra metade pelos distritos. E haveria menos corrupção, porque disputar num distrito exige uma despesa menor e torna mais difícil comprar votos.
JC – A pressão popular sobre o Congresso não facilitaria a aprovação da reforma?
MAGALHÃES – A Casa é sensível à pressão popular. Mas o povo não está muito interessado na reforma. Pelo contrário. Não aceita a lista fechada nem o financiamento público. Então, não vai fazer pressão. Mas nunca é bom ser pessimista. Pelo que tenho lido, a presidente Dilma Rousseff pretende propor a lista fechada e o financiamento público. E ela tem uma maioria maior que a de Lula nas duas Casas. Ela conseguiria aprovar uma emenda constitucional sem precisar da oposição. Mas vai mesmo aprovar contra a vontade do povo?
JC – Uma questão que não tem sido discutida na reforma é a dos fichas-sujas, muitos deles eleitos ano passado. É possível incluir no texto a inelegibilidade para candidatos com processos na Justiça?
MAGALHÃES – Eu não tenho poderes para julgar 513 deputados, mas a minha impressão é de que nos anos 90 nós tínhamos um Congresso de melhor qualidade e com menos corrupção. De uns tempos para cá, a coisa piorou muito. Os dois grandes tentáculos da corrupção são o abuso do poder econômico e o abuso do poder político. E esse segundo, hoje, está multiplicado por mil. Mas eu sinto que só uma minoria dos eleitores se indigna com a corrupção. Porque a gente vê a reeleição de pessoas notoriamente corruptas, que voltam bem votadas, ou a nomeação de um ou outro ministro que representa grupos de interesse corruptos. Hoje, no Brasil, não há nada melhor para os corruptos que as garantias constitucionais, mas não podemos abrir mão delas, porque não haveria democracia.
JC – Não seria o caso de aprovar uma reforma política que entrasse em vigor dentro de alguns anos, já que ela mexe com os interesses dos atuais congressistas?
MAGALHÃES – É possível. Mas já ficou provado que uma única modificação, para diminuir o número de partidos, a cláusula de barreira, foi derrubada dez anos depois pelo STF. Quem garante que hoje ou amanhã se aprova e a Justiça não derruba? Eu sou realista. Passei 14 anos no Congresso Nacional e não vou ser irresponsável de faltar com a verdade e iludir as pessoas. É difícil aprovar a reforma política, sim. Mas não podemos cruzar os braços. É preciso encontrar um caminho. Do jeito que está é que, não dá mais.