Debates sobre reforma política no Brasil são recorrentes e tediosos. O tema costuma surgir, de maneira sazonal, no início dos mandatos presidenciais, e só interessa a políticos e cientistas sociais. Em geral não acontece nada. Apresentada quase sempre como solução meio mágica para vícios do sistema político ou como antídoto à roubalheira sistêmica, a reforma no mais das vezes não passa de embromação (Fernando de Barros e Silva, Folha de S.Paulo, 26/04/2011)
Maurício Costa Romão
Premida por pressões populares, a presidente Dilma Rousseff viu-se obrigada a dar alguma resposta às demandas oriundas das manifestações de rua. Ao fazê-lo, erigiu como prioridade a questão da reforma política e sugeriu um plebiscito como forma de destravá-la no Congresso.
A presidente não poderia ter sido mais competente: a partir do seu pronunciamento, tudo o mais foi relegado a plano secundário, e o assunto da reforma, responsabilizada pelos problemas do país, tem ocupado espaços generosos na mídia e despertado infindável discussão. Chegou-se até ao ponto de o debate sobre a forma de consulta popular – se plebiscito ou referendo – tornar-se mais importante do que o conteúdo da própria reforma.
As questões da reforma política podem ser enquadradas em dois blocos: um, que trata de tópicos variados, como coincidência de eleições, recall, voto obrigatório, suplente de senador, financiamento de campanha, candidatura avulsa, etc., e outro, que diz respeito ao sistema de votação, que pode ser proporcional, majoritário ou misto. É sobre este bloco que o presente texto tece algumas considerações.
De início há que se chamar à atenção para um erro de origem: na presente legislatura suas excelências nunca se perguntaram quais são exatamente os problemas do sistema proporcional brasileiro, em vigor desde 1945, e de que maneira eles poderiam ser corrigidos. A idéia fixa que presidiu o debate sempre foi a mudança de sistema.
No processo de demonização do mecanismo eleitoral vigente, suas excelências, e agora a presidente, tentaram passar para a sociedade a idéia de que as distorções funcionais do sistema político nacional, como corrução, compra de votos, aluguel de siglas, fragilização partidária, etc., são inerentes ao modelo eleitoral em uso, quando, na verdade, são uma questão mais ampla, histórico-estrutural, do País.
O corolário que daí resulta é cristalino: a simples substituição do atual modelo proporcional de lista aberta por qualquer outro vai acabar com as mazelas existentes e redundar em grande melhoria qualitativa do sistema geral.
Primeiro, nunca é demais repetir, todos os sistemas eleitorais têm distorções, vantagens e desvantagens, méritos e deméritos. Não existe nenhum considerado perfeito, ideal, justo. Então, migrar de um sistema para outro envolve ganhos e perdas.
Segundo, se não houver depuração dos vícios e deformações que circundam o atual sistema, o novo modelo já nascerá inexoravelmente contaminado.
Daí por que não faz o mínimo sentido transferir para a população decidir, mediante plebiscito, que sistema eleitoral deva ser implantado no Brasil, já para a eleição de 2014 (lembrando aqui a expressão francesa “la rage de vouloir conclure”, cuja tradução livre dá título ao presente artigo).
Ora, se o debate está inconcluso a nível congressual, se as alternativas de sistemas não foram suficientemente discutidas com a coletividade, então, como é que se pretende, assim de pronto, realizar uma consulta popular, encapsulada binariamente num sim ou não, sobre assunto de tamanha importância e complexidade?
Como podemos escolher, por exemplo, entre o sistema majoritário-distrital misto e o sistema proporcional de lista pré-ordenada, se não sabemos bem o que significam?
Definitivamente, a resposta às ruas não pode ser dada por aí!
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br, https://mauricioromao.blog.br.